FOLHA DE S. PAULO - DINHEIRO - 25/7/09
Depois de um intenso lobby do Ministério da Fazenda e do Banco Central, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) já admitem nos bastidores que estão "sensibilizados" com o argumento do governo contrário ao pagamento de indenizações a poupadores da caderneta de poupança que foram prejudicados por regras de planos econômicos da década de 80 e do início dos anos 90.
Ministros ouvidos pela Folha já não descartam a possibilidade de o plenário do STF conceder uma liminar que paralise todas as ações judiciais em tramitação no país até que o tribunal decida como deve ser calculada a correção das cadernetas existentes no lançamento dos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991).
O governo escalou um time de primeira grandeza para tentar fazer valer seu argumento. O ministro Guido Mantega (Fazenda) esteve pessoalmente com os ministros do STF. O mesmo fizeram o presidente do BC, Henrique Meirelles, e o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli.
Foi depois de toda essa movimentação que o ministro Ricardo Lewandowski decidiu levar a discussão para o plenário do STF. Em março, o ministro negou liminar à Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro), que pedia a paralisação das ações.
Pelas regras do STF, só haveria necessidade de os outros dez ministros confirmarem essa decisão se Lewandowski houvesse concedido a liminar. A Justiça tem dado ganho de causa aos poupadores. As ações mais comuns estão ligadas aos planos Bresser e Verão.
Nos dois casos, as mudanças na política econômica foram feitas no meio do mês, mas as cadernetas com aniversário na primeira quinzena tiveram o rendimento calculado de acordo com as novas regras.
Os correntistas defendem que a remuneração deveria ser calculada de acordo com os índices vigentes antes dos planos. As diferenças chegam a 44,8%, como no caso do Plano Collor 1. No Plano Verão, a perda é estimada em 16,65%.
O prazo para questionar essas perdas na Justiça já expirou no caso dos planos Bresser e Verão. Só é possível entrar com ações referentes aos planos Collor 1 e 2.
A única chance de quem não entrou na Justiça se beneficiar é pegar carona em ações civis públicas, que estendem o direito à indenização a grupos maiores, como uma categoria profissional ou a população de um Estado.
Nesse caso, no entanto, o correntista tem que provar que tinha saldo em cadernetas nas datas dos planos econômicos e fazer uma adesão formal à ação que normalmente é impetrada pelas defensorias públicas ou pelos institutos ligados à defesa do consumidor
"A discussão não é com o governo, mas com os bancos, que aplicaram retroativamente a regra dos planos econômicos. Isso fere o direito adquirido pelos clientes", diz a gerente jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Karina Grou.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos), no entanto, argumenta que os bancos apenas cumpriram as determinações do governo e, portanto, não há dívida com os clientes.
O governo, em documento enviado ao STF, afirma que não há motivos para pagar os expurgos porque não houve perdas. Para isso, compara o rendimento das cadernetas depois de aplicados os novos índices com o que foi pago pelos bancos nos CDBs (Certificados de Depósito Bancário).
A conclusão é que só houve perda no plano Collor 1. A outra grande preocupação do BC é com o risco sistêmico, pois considera que o impacto dessas ações pode levar à quebra de grandes bancos, entre eles a C.E.F.
As estimativas das perdas dos poupadores variam de R$ 29 bilhões a R$ 120 bilhões.
Estimativas de custo para bancos divergem
Não há estimativa confiável sobre o impacto real das ações judiciais que questionam os critérios de correção da caderneta de poupança adotados nos planos econômicos pré-Real.
Os números variam de R$ 29 bilhões, citado pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), passam por R$ 105,9 bilhões, calculados pelo Banco Central e Ministério da Fazenda, e podem chegar a até mesmo R$ 120 bilhões, segundo a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).
O governo e os bancos explicam que suas projeções levam em conta um "cenário de risco potencial". Ou seja, adotam a pior premissa possível. Por esses cálculos, as instituições financeiras terão que pagar os expurgos feitos na caderneta de poupança referentes a todos os planos econômicos e para os que tinham depósitos naquele período.
Essa análise conclui que a C.E.F., que concentrava o maior número de contas de poupança à época, poderia perder R$ 35 bilhões. É como se o banco quebrasse três vezes.
"Todos os bancos, públicos e privados, suportariam graves e elevados prejuízos. A C. foi citada [no documento enviado pelo BC ao STF] apenas como exemplo", explica a assessoria de imprensa do banco estatal.
É com base nesse cenário que o BC prevê quebras de bancos e comprometimento da economia, caso as ações sejam levadas adiante. "Não é exagerado afirmar que o desarranjo econômico resultante das perdas da C. e das demais instituições financeiras pode gerar forte turbulência e comprometer, por alguns anos, a sustentação do crescimento econômico do país", afirma o BC. A nota também diz que, se o STF der ganho de causa aos poupadores, "provavelmente levaria algumas dessas instituições à insolvência, principalmente no ambiente de crise financeira".
Para o Idec, essas estimativas são exageradas. A gerente jurídica, Karina Grou, cita ação civil pública que a entidade executa desde 2001 contra a N.C., em São Paulo, para mostrar que o impacto será bem menor. Segundo ela, em oito anos só 1.500 correntistas aderiram à ação do Plano Verão.
"Tanto governo quanto os bancos estão fazendo uso alarmista dos números", diz Grou.
O Idec também questiona o impacto potencial com base nas provisões feitas pelos bancos em seus balanços. De acordo com levantamento do próprio governo, já foram gastos R$ 1,8 bilhão em ações transitadas em julgado e há outros R$ 3,5 bilhões provisionados.
O economista-chefe da Febraban, Rubens Sardemberg, diz que as provisões são feitas à medida que as ações são impetradas e não levam em conta o impacto total, já que a disputa judicial ainda está em curso.
Poupador deve analisar relação custo-benefício
Compensa ir à Justiça para tentar receber as diferenças que deixaram de ser pagas nos planos Collor 1 e 2? A resposta à pergunta depende de quanto cada poupador tinha depositado em caderneta no início de março de 1990 e em janeiro de 1991.
Em primeiro lugar, a Justiça já reconheceu o direito dos poupadores, embora isso possa ser modificado pelo Supremo Tribunal Federal nos próximos meses. Assim, exigir do banco a diferença que deixou de ser paga é um direito de todo poupador.
Mas é fundamental atentar para um detalhe: antes de tomar essa decisão, a pessoa deve ter ao menos uma noção do que terá para receber.
Na dúvida, é importante que o poupador seja assessorado por um contador ou por um advogado de sua confiança. Motivo: há casos em que a relação custo-benefício não compensa, ou seja, não vale a pena perder tempo se o valor a receber na ação for muito pequeno.
Para o poupador ter uma noção do valor que poderá receber, quem tinha NCz$ 50 mil em março de 1990 teria direito de receber entre R$ 5.200 e R$ 5.300, hoje, segundo cálculos do advogado Alexandre Berthe. Isso quer dizer que, para cada NCz$ 10 mil aplicados em poupança na época, o valor a receber corresponderia hoje a pouco mais de R$ 1.000.
LEANDRA PERES
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
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