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Tribunais brasileiros reconhecem a União Estável entre homossexuais

A Justiça de Goiás reconheceu a união estável de um casal homossexual. Segundo a juíza Sirlei Martins da Costa, da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiás, ambos formam uma entidade familiar com “todas as conseqüências legais advindas de uma união”.

O caso trata de uma ação de declaração de sociedade na qual o casal sustenta que vive junto e tem construído patrimônio desde de julho de 1999, data tomada como marco, pela juíza, para extensão dos efeitos da sentença. De acordo com a decisão, os juízes das varas de família são competentes para julgar causas que envolvem relação de afeto formada por pessoas do mesmo sexo, “à semelhança das questões da mesma natureza envolvendo casais heterossexuais”.

De acordo com a juíza, a jurisprudência é tranqüila em relação à possibilidade jurídica do reconhecimento da união homoafetiva, vez que os princípios da Constituição Federal vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo.

Admitindo que ainda não existe lei específica sobre o assunto, a juíza ponderou: “A consagração do princípio da dignidade da pessoa, como norte principal para o julgador, permitiu ao juiz brasileiro a possibilidade de suprir a lacuna existente na legislação sobre o tema. Há julgados recentes reconhecendo uma série de direitos em prol de homossexuais, dentre eles o reconhecimento da união homoafetiva como verdadeira entidade familiar”.

A decisão goiana vai no sentido sinalizado pelo ministro Celso de Mello, no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em fevereiro do ano passado. O ministro afirmou que a união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como “sociedade de fato”. A manifestação foi pioneira no âmbito do Supremo Tribunal Federal e indicou que a discussão sobre o tema deve ser deslocada do campo do Direito das Obrigações para o campo do Direito de Família.

A opinião do ministro foi explicitada no exame de uma ação proposta pela Associação Parada do Orgulho Gay, que contestou a definição legal de união estável: “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (artigo 1.723 do Código Civil).

Celso de Mello extinguiu o processo por razões de ordem técnica, mas teceu considerações sobre o que afirmou ser uma “relevantíssima questão constitucional”. O ministro entendeu que o STF deve discutir e julgar, em novo processo, o reconhecimento da legitimidade constitucional das uniões homossexuais e de sua qualificação como “entidade familiar”. Ele chegou até mesmo a indicar o instrumento correto para que a questão volte ao Supremo: a ADPF, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Em sua decisão, o ministro cita a desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, que ressalta a importância do Judiciário como agente de transformação social: “Ao menos até que o legislador regulamente as uniões homoafetivas — como já fez a maioria dos países do mundo civilizado — incumbe ao Judiciário emprestar-lhes visibilidade e assegurar-lhes os mesmos direitos que merecem as demais relações afetivas. Essa é a missão fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade”.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2007

Esta decisão confirma posição que já vem sendo adotada pelos tribunais brasileiros a exemplo do que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao reconhecer a união estável entre duas mulheres e determinou que a companheira viúva entre na partilha de bens. A decisão é da 7ª Câmara Cível.

Segundo o processo, as mulheres viveram juntas por 16 anos. Em 1996, a viúva deixou o apartamento para viver outra relação. Só voltou quando sua ex-companheira ficou doente. Por isso, a família alegava que a viúva se aproveitou da situação para ter direito ao imóvel.

A primeira instância reconheceu a viúva como herdeira. A família recorreu ao Tribunal de Justiça gaúcho com o argumento de que o fato de as duas mulheres terem adquirido um imóvel juntas não é suficiente para comprovar a relação. Também afirmou que nunca aceitou o relacionamento e que a viúva deixou o apartamento para viver em outro lugar e retornou não para reatar a relação, mas para ficar na posse do bem.

A desembargadora Maria Berenice Dias, relatora do recurso, não acolheu os argumentos. Destacou que as fotos, cartões e documentos juntados ao processo comprovaram o “forte relacionamento havido” entre as duas. Berenice Dias também considerou o fato de a viúva ter sido dependente da companheira.

Além disso, o casal adotou um garoto, do qual a viúva era madrinha. “Ainda que tal adoção tenha sido procedida de forma irregular (à brasileira), tal circunstância denota o desiderato do par de formar uma família, haja visto o fato de não poderem gerar filhos entre si”, observou a relatora.

Para a desembargadora, “a união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos”.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2006

O mesmo ocorreu em decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que garantiu o prosseguimento de uma ação que pretende o pagamento de pensão a um companheiro homossexual. Para a 17ª Câmara Cível do TJ-MG, embora a Constituição Federal reconheça como legítima apenas a união conjugal entre homem e mulher, a relação estável entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade no Brasil, e em muitos outros países.

Segundo os autos, a relação durou mais de 20 anos. Além da pensão, o companheiro pede também o direito de figurar como dependente nos planos de saúde do parceiro, que morreu em maio de 2004. A informação é do TJ mineiro.

O autor da ação move o processo contra a Telemar Norte Leste, empresa em que o ex-companheiro trabalhava, a Fundação Sistel de Seguridade Social e os planos de saúde Pama e Pama-PCE (Planos de Assistência Médica ao Aposentado) e PBS-A (Planos de Benefícios da Sistel). O companheiro alegou que, por ter mantido uma união homossexual duradoura, teria o direito de ser incluído como beneficiário e dependente no Sistel, além de receber pensão mensal.

A 11ª Vara Cível de Belo Horizonte extinguiu o processo por entender que o pedido é juridicamente impossível, já que, no Brasil, a união entre homossexuais não é reconhecida pela atual Carta Magna. Em contrapartida, os desembargadores Luciano Pinto (relator), Márcia de Paoli Balbino e Lucas Pereira se manifestaram favoráveis à continuidade da ação.

O desembargador Luciano Pinto ressaltou que o parceiro, “na sua condição homossexual, tem o direito constitucional de não ser discriminado e, portanto, tem no ordenamento jurídico o livre acesso à Justiça, para garantir direito seu, de natureza fundamental”. Segundo o relator, a jurisprudência consagra essa posição, afastando a tese da impossibilidade jurídica do pedido e reprovando o “farisaísmo do desconhecimento da existência de uniões homoafetivas e seus efeitos jurídicos”.

O relator acrescentou ainda que “a união homoafetiva implica uma situação representativa de entidade familiar, quando decorrente de convivência duradoura, pública e contínua, porque o princípio da não discriminação afasta a limitação de que tal união seja somente entre homem e mulher”.

A desembargadora Márcia de Paoli Balbino acompanhou o relator com relação à possibilidade do pedido, mas ressalvou que a relação homoafetiva não se equipara à entidade familiar, como afirmado pelo relator.

O desembargador Lucas Pereira também entendeu que a ação deve prosseguir, considerando que “embora a nossa Carta Magna discipline somente a união estável entre o homem e a mulher, não se pode olvidar que, nos dias hodiernos, a união entre pessoas do mesmo sexo constitui realidade inquestionável, não só no Brasil, como de resto, em todos os países do mundo”. Contudo, acompanhou as ressalvas feitas pela revisora.

O processo deverá ter prosseguimento na 11ª Vara Cível de Belo Horizonte. (AP.CV. 503767-2)
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de junho de 2005

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