A juíza Simone Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, condenou um pai a indenizar seu filho, um adolescente de 13 anos, por abandono moral. Ele terá de pagar R$ 35 mil ao jovem, valor correspondente a 100 salários mínimos, acrescidos de juros e correção monetária. A condenação é inédita no Estado do Rio. Segundo a juíza, a questão é polêmica e demanda prudência do Judiciário para que a decisão não sirva de instrumento de vingança, "mas sim de reparação de um dano, de fato, suportado com prejuízos na formação da personalidade e identidade da criança".
A ação de indenização foi movida pelo filho, que é representado no processo por sua mãe. Ele conta que a paternidade foi reconhecida através de longa batalha judicial que começou em 1992 e só terminou após a realização do exame por tipagem de DNA. O adolescente afirma também que, mesmo com a paternidade reconhecida, ainda se vê privado do direito de convívio com seu pai, e que a falta do reconhecimento espontâneo e ausência paterna até o presente momento de sua vida geraram danos de ordem moral e material.
"Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei", escreveu a juíza na sentença.
Ela baseou sua decisão no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil. Segundo Simone Ramalho, no artigo 19 do ECA constata-se que o direito de ser educado e criado no seio da família foi incluído entre os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Já o Código Civil, em seus artigos 1630/1638, estabelece que a responsabilidade dos pais em relação aos filhos é conjunta, atribuindo-lhe o nome "poder familiar", e pune aquele que deixar o filho em abandono.
Fonte: AASP de 28/12/2006 e Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Em caso semelhante o STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA decidiu que não cabe indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo. A conclusão, por quatro votos a um, é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu provimento a recurso especial de um pai de Belo Horizonte para modificar a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que havia reconhecido a responsabilidade civil no caso e condenado o pai a ressarcir financeiramente o filho num valor de 200 salários mínimos.
Consta do processo que o filho mantinha contato com o pai até os seis anos de maneira regular. Após o nascimento de sua irmã, fruto de novo relacionamento, teria havido um afastamento definitivo do pai. Na ação de indenização por abandono afetivo proposta contra o pai, o filho afirmou que, apesar de sempre receber pensão alimentícia (20% dos rendimentos líquidos do pai), tentou várias vezes uma aproximação com o pai, pretendendo apenas amor e reconhecimento como filho. Segundo a defesa, recebeu apenas "abandono, rejeição e frieza", inclusive em datas importantes, como aniversários, formatura no ensino médio e por ocasião da aprovação no vestibular.
Em primeira instância, a ação do filho contra o pai foi julgada improcedente, tendo o juiz considerado que não houve comprovação dos danos supostamente causados ao filho, hoje maior de idade. Após examinar a apelação, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, no entanto, reconheceu o direito à indenização por dano moral e psíquico causado pelo abandono do pai. "A responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana". A indenização foi fixada em 200 salários mínimos (hoje, R$ 60 mil), atualizados monetariamente.
No recurso para o STJ, o advogado do pai afirmou que a indenização tem caráter abusivo, sendo também uma tentativa de "monetarização do amor". Alegou que a ação de indenização é fruto de inconformismo da mãe, ao tomar conhecimento de uma ação revisional de alimentos, na qual o pai pretendia reduzir o valor. A defesa afirmou que, a despeito da maioridade do filho, o pai continua a pagar pensão até hoje. Em seu parecer, o Ministério Público opinou pelo provimento do recurso do pai. "Não cabe ao Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor", afirmou.
Por maioria, a Quarta Turma deu provimento ao recurso do pai, considerando que a lei apenas prevê, como punição, a perda do poder familiar, antigo pátrio poder. "A determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização por dano moral", observou o ministro Fernando Gonçalves, ao votar.
O ministro considerou ainda outro ponto. "O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso", questionou.
Ao ser provido o recurso, foi considerado ainda que, por maior que seja o sofrimento do filho, a dor do afastamento, o Direito de Família tem princípios próprios, que não podem ser contaminados por outros, com significações de ordem material, patrimonial. "O que se questiona aqui é a ausência de amor", afirmou o ministro Jorge Scartezzini. "Na verdade, a ação poderia também ser do pai, constrangido pela acusação de abandono (...) É uma busca de dinheiro indevida", acrescentou.
Único a votar pelo não-conhecimento do recurso, o ministro Barros Monteiro considerou que a destituição do pátrio poder não interfere na indenização. "Ao lado de assistência econômica, o genitor tem o dever de assistir moral e afetivamente o filho", afirmou. Segundo Barros Monteiro, o pai estaria desobrigado da indenização, apenas se comprovasse a ocorrência de motivo maior para o abandono.
Por quatro votos a um, a decisão afastou a indenização a ser paga pelo pai, determinada pelo tribunal mineiro. "Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o artigo 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização", reiterou o relator. "Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral", concluiu o ministro Fernando Gonçalves.
Processo: Resp 757411
Fonte: AASP de 31/11/2005 e Superior Tribunal de Justiça
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